Emmanuel Mounier (1905-1950) era colega de Sartre e
é conhecido como o fundador da corrente filosófica conhecida como Personalismo.
Foi convidado a fundar uma revista que pensasse a crise nos países a partir de
1929. Tal crise, inicialmente financeira, provocou também uma crise cultural no
Ocidente. Então, o Personalismo tentou criar um espaço cultural que pensasse
solução para aquele contexto em crise. Esse espaço foi a revista Esprit, que
teve sua primeira edição em outubro de 1932. O Tratado do Caráter e O
Enfrentamento Cristão são as principais obras de Mounier. No entanto, seu
primeiro livro publicado foi O Pensamento de Charles Péguy. Deste
filósofo, Mounier adotou o conceito de encarnação, isto é, o Deus que entrou na
história, por meio da Pessoa de Jesus Cristo. Vale ressaltar que Mounier
influenciou fortemente o cardeal que mais tarde se tornou o para Paulo VI.
Para ele, a crise que se instalou a partir de 1929
caracteriza-se como o novo florescer da alma. Ela não poderia ser resolvida com
números, mas precisava ser guiada pela ação do espírito, este entendido como
algo que vai além dos dados meramente biológicos. A verdade nasce quando o
espírito invade o homem, dizia Mounier. Ele também afirmava que se precisava
fazer o novo Renascimento, e este deveria partir do indivíduo, visto que este
último seria um dos causadores da crise ocidental.
Para Mounier, a pessoa não é o indivíduo, não é o
manifestar-se da pessoa na superfície da própria vida. Para ele, o indivíduo é
aquele refletido nas ações, nos personagens da vida. A pessoa se põe ao
indivíduo porque ela não é a consciência que ela mesma tem dela. A pessoa não é
a personalidade da pessoa, isso porque a pessoa é uma unidade muito mais ampla
da visão que se tem dela mesma.
O pai do personalismo aponta três dimensões da
pessoa humana: a vocação, a encarnação e a comunhão. A vocação se refere à
missão do homem em descobrir progressivamente o seu lugar no mundo, os deveres
que lhe competem na dimensão universal. Já a encarnação se refere ao fato de
que ninguém pode se libertar da matéria. Quem quer ser anjo acaba por se tornar
um animal. Não podemos evadir-nos da matéria, mas transformá-la. Por sua vez, a
comunhão é a dimensão que permite à pessoa só encontrar-se consigo mesma
dedicando-se à comunhão superior que chama e integra as pessoas entre si. Ele
ensina que a meditação que serve à busca da própria vocação, o empenho no
conhecimento da encarnação e a renúncia à iniciação ao dom. Sendo, portanto,
estes três elementos reflexos das três dimensões do homem. E a pessoa que se
perde em um destes pontos, perde o fio da vida. E Mounier chega à conclusão que
o grande mal de seu século se reflete em duas doenças: o individualismo e a
tirania coletiva.
Em 1964, Mounier escreveu O Personalismo.
Neste texto, ele tenta dar um caráter sistemático a respeito do pensamento
desenvolvido na revista Esprit. Na primeira parte desse livro, ele analisa a
pessoa na relação com a natureza. Através do corpo, a pessoa não participa da
natureza, mas se relaciona com ela, num processo de transcendência. Ainda nesse
livro, a primeira dimensão que ele aponta sobre a pessoa é a comunicação, que é
um dado primeiro. Na comunicação, segundo ele, fundamentam-se os atos
originais. Primeiramente com a pessoa saindo de si mesma e colocando-se
disponível aos outros. Depois, compreendendo os outros, parando de observar a
partir do seu ponto de vista para compreender do lugar do outro. Em seguida,
assumindo a alegria, o sofrimento e o dever do outro. E, depois, doar-se. A
força viva do elã vital se manifesta na capacidade da pessoa se doar. Por
último, a fidelidade. A fidelidade à pessoa, ao amor, à amizade é verdadeira
somente quando são contínuos. Estes elementos são importantes porque constituem
a relação pessoal.
Mounier aponta quatro pontos para o fracasso da
comunicação: 1. Quando existe algo nos outros que foge ao nosso desejo de
comunicar. Esse entrave procede da defesa do outro. 2. Quando existe também uma
resistência ao esforço da reciprocidade. 3. Quando a nossa existência é opaca,
o que não permite uma transparência na relação. 4. Quando constituímos uma
aliança de reciprocidade (família, pátria, religião, etc.). Este tipo de
relação se torna um pacto, acarretando numa dificuldade com o outro que não faz
parte da aliança.
Na segunda dimensão, o filósofo aponta o
recolhimento. Diz ele, precisamos entrar em nós mesmos e descobrir a nossa
própria interioridade. Nesse processo, deparamo-nos com o tema do pudor, o qual
é um sentimento que brota da pessoa que se percebe assediada, por isso tenta se
proteger, para que ninguém identifique seu ser em suas manifestações. Ele
afirma, somos muito mais que nosso corpo. E o contrário do pudor seria a
vulgaridade, a exibição, que caracteriza a despersonalização. É no descobrir do
pudor que se percebe a importância da vida privada, aqui identificada como um
espaço para no encontrarmos conosco mesmo. Este espaço não é entendido por
Mounier como um privilégio, mas como uma necessidade. No recolher conosco
mesmo, encontramos a unidade desejada, que é a vocação, que é uma espécie de
nova criação feita por Deus a cada dia.
Segundo Mounier, na pessoa humana há dois perigos:
ficar fora de si mesma, o que caracteriza a vida superficial, e; o fechamento
na vida interior, o isolamento em si mesmo. Ele diz que a condição para manter
a interioridade, o homem precisa sair de si mesmo, sair da vida interior. Isso
porque a pessoa é enfrentamento, a pessoa é um protestar constante, porque
existir significa dizer sim, como também não. O homem para existir precisa
concordar, bem como discordar.
Quanto à ideia de força, Mounier diz que o amor é
luta, luta contra a morte. Aqui o amor não é entendido como força bruta, mas
como força interior, como capacidade de tomar decisão. Quando uma pessoa
decide-se por algo, precisa permanecer fiel a esse ideal, daí porque precisa de
força. Ele diz que a vida não é comodismo, mas uma constante tomada de decisão,
um colocar-se em luta constante por um objetivo. A pessoa é ato, decisão,
afirmação. Ser não é apenas amar, mas uma afirmação de forças. Agir, então, é
escolher, decidir que desperta a liberdade da pessoa. E o contrário, quando a
pessoa abnega-se do direito de tomar decisão, quando não quer exercer o direito
de excluir algo ou alguém, caracteriza a mentalidade infantil. No entanto, chegar-se-á
o dia da recusa irreduzível, a qual define o homem verdadeiramente como livre.
É verdade que a massa dos homens prefere a escravidão da escuridão ao risco da
independência, a vida vegetativa ao não humano. Mas a vida é sempre liberdade
de uma pessoa humana. Essa liberdade leva a entender que nem tudo é
independente, mas que tem limites. A liberdade é sempre de uma pessoa situada.
A liberdade é sempre um caminho de libertação, de personificação.
A terceira dimensão da pessoa, segundo Mounier, é a
transcendência, a qual se desenvolve na capacidade produtora. A aspiração da
transcendência da pessoa humana não é uma agitação, mas a negação de si mesma
num mundo fechado. É o ser em busca do Ser. A dimensão da transcendência da
pessoa manifesta um ser que cai além do ser mesmo. Essa projeção da pessoa é
elevação, pois o ser da pessoa é constituído para superar-se. Sendo que o
objetivo da transcendência é Deus, a pessoa suprema. Tal Transcendência é o
grande foco da pessoa humana. Daí porque se faz a ligação íntima entre o
Personalismo e o cristianismo.
A dimensão transcendente da pessoa se desenvolve no
empenho de quatro ações: 1. O fazer, o dominar, o organizar a matéria. É a ação
do homem sobre as coisas. Tal ação objetiva exatamente a eficácia, no entanto,
não basta fazer, precisa-se encontrar a dignidade. 2. É o ponto de agir. A ação
busca formar aquele que age, na dignidade. Este nível de ação ética tem sua
finalidade na medida da autenticidade. 3. Teoria, ou seja, a capacidade de
analisar os valores da ação. É a atividade contemplativa, desinteressada, que
busca entender os sentidos e os valores das coisas. 4. Dimensão coletiva,
comunicativa da ação. Uma teoria do empenho deve elaborar uma dialética entre
os polos político e profético. E o homem de ação verdadeira é aquele que mantém
essa dualidade.
Na segunda parte da obra de Mounier, publicada em
1949, ele aponta o Personalismo como a revolução do século XX. A revolução aqui
entendida é a que parte do interior da sociedade, a espiritual. Para o pai do Personalismo,
o homem verdadeiramente forte não busca dominar, mas comunicar a força contida
na perseverança, e não no ataque. Por isso é necessária uma técnica dos meios
espirituais que promoverão a revolução. Tais técnicas são: a presença e o
esforço da santidade. E os meios para a efetivação da revolução espiritual são:
a) o envolvimento de todos os meios não violentos à nossa disposição; b) os
meios analisados por essa luta não serão condenados em si mesmos.
Vale ressaltar que um dos alvos do Personalismo é o
homem burguês. O burguês, segundo Mounier, busca o bem-estar e é esperto. O
burguês muda de campo apenas para garantir seus objetivos medíocres. Para o
filósofo, o burguês é o contrário do cristão. Este, quando é autêntico, não se
identifica com um partido, com um Estado ou com qualquer poder político, pois
sabe que tudo isso vai acabar. O cristão autêntico confia sempre em Deus,
porque sabe que o mal busca apossar-se do lugar do bem. O cristão autêntico
bota fé somente no mundo pessoal, no qual cada ser é chamado, escolhido. No
entanto, a resignação cristã não resulta numa inércia, pelo contrário, dá
forças para lutar contra os pecados sociais. A vida do cristão autêntico passa
pelo caminho da cruz, caracterizando uma evidente oposição ao modo de vida do
burguês, que objetiva o comodismo. Mounier ensina que o burguês é o homem que
perdeu o amor, o sentido do ser, que ignora a cruz.
karlos Lory de Oliveira